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Bottom line #3
Um resumo sobre os principais assuntos do mercado financeiro. As informações aqui contidas são de caráter exclusivamente informativo, não constituindo recomendação ou oferta de investimentos.
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Conteúdo…
Brasil novo governo
Impactos do cenário externo
1. Brasil - Do impeachment até o novo governo Lula
Se antes das eleições havia incertezas de como seria o estilo do Lula no novo governo, caso eleito, agora não há dúvidas que a sinalização é péssima em quase todos os sentidos. Para começar a análise, vamos primeiro lembrar o que foi feito desde 2015, após o impeachment da Dilma, que deixou o país em uma situação lastimável.
Infelizmente no Brasil as coisas são feitas somente quando a situação chega no limite do caos. Ao longo dos últimos anos, economicamente falando, muitos avanços foram feitos no Brasil.
Teto de gastos
A regra estabelece que, durante 10 anos, a despesa primária do governo federal (gastos de bens e serviços públicos, tais como saúde, educação, rodovias, além de gastos necessários para a manutenção da estrutura do Estado) só pode crescer de acordo com a inflação. Apesar de ser um ajuste fiscal gradual a lei traz uma segurança que as despesas do governo ficarão controladas e como benefício social a medida trouxe uma significativa redução da taxa de juros que só foi revertida por conta do choque inflacionário global causado pela pandemia e pela guerra entre a Rússia e Ucrânia.
Lei das Estatais
A legislação estabeleceu critérios mais rigorosos para nomeação da diretoria e conselho de administração dessas empresas, trazendo mais transparência e governança para estatais. O resultado foi um aumento nos lucros das estatais que geram dividendos para os acionistas e, como o maior deles, no caso das estatais, é o próprio governo, essa renda entra para os cofres públicos para serem investidos no bem-estar da sociedade.Reforma trabalhista
O texto da lei não mexeu em nenhum dos direitos fundamentais dos trabalhadores, já previstos no artigo 7º da Constituição Federal, e conseguiu reduzir em mais de 40% a litigiosidade das relações de trabalho até 2021, como podemos ver no primeiro gráfico abaixo, retirado do Relatório Geral da Justiça do Trabalho 2021. Além de trazer mais segurança para as empresas, a lei ofereceu mais flexibilidade para contratações, portanto, uma diminuição do nível da taxa de desemprego (segundo gráfico).Taxa de desemprego no Brasil
Taxa de longo prazo
A aprovação da Taxa de Longo Prazo (TLP) além de reduzir a despesa dos bancos públicos conseguiu promover uma importante expansão do mercado de capitais. A emissão anual de debêntures, alcançou R$ 234 bilhões em 2022, aumentando mais de 3.5x comparando com os R$ 64 bilhões em 2016.Reforma da previdência
A reforma da previdência estabeleceu novas idades mínimas para aposentadoria – 65 anos para homens e 62, para mulheres. Mesmo com essa reforma o gasto da previdência no Brasil, de quase 13% do PIB, é muito acima da média para países com população jovem. A. O gráfico abaixo é de uma matéria do G1 de 2017 (antes da reforma que foi feita em 2019), apesar de defasado mostra bem que o Brasil está no pior quadrante, gasta muito com uma população jovem, quando começar a envelhecer esse nível de gasto será insustentável.Marco do saneamento
Em 2020, entrou em vigor a lei do marco regulatório de saneamento que gerou diversos leilões de serviços de saneamento resultando em um aumento de quase 1,000% nos investimentos, saltando de R$ 4.5bi que era feito pelo governo para R$ 50bi quando foi aberto para o mercado privado, segundo dados do governo. Além de uma melhora significativa na qualidade de vida e saúde da população mais pobre, os investimentos oriundos do mercado privado abrem mais espaço para o governo investir em outros setores, como educação, por exemplo.Mandato fixo e independência para o Banco Central
A lei define que o objetivo do BC é “assegurar a estabilidade de preços” e estabelece que a autoridade monetária tem que “suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”. O começo do mandato do presidente do BC será sempre no 1º dia útil do 3º ano de cada governo, sendo que o período de permanência do presidente e dos diretores será de 4 anos. Isso é uma enorme sinalização positiva para a transparência e soberania das atividades do BC, trazendo mais segurança para a população e para os investidores no país.
Privatização da Eletrobras
Mesmo em um ano eleitoral conturbado, o governo conseguiu privatizar a Eletrobrás e, mesmo que não seja no melhor modelo e forma possível, essa conquista na agenda de reformas econômicas, disponibilizando mais capital para o governo investir e focar em saúde, educação e segurança, que deve ser o principal foco do governo.
Esse é o lado bom da história, é claro que nos governos Temer e Bolsonaro tivemos diversos erros também, mas o que falta, em quase todos os governos que assumiram no nosso país, é acatar as coisas boas que foram feitas nos governos anteriores e dar continuidade nelas, Lula está fazendo exatamente o oposto.
O presidente eleito quer revogar o teto de gastos, flexibilizar a lei das estatais, alterar a lei trabalhista, mudar a TLP, revogar o marco do saneamento, acabar com a independência do Banco Central, modificar a reforma da previdência, mudar as condições da privatização da Eletrobras. Ou seja, ele ameaçou todas as melhorias que já mostram resultados positivos para o país, em poucos dias de governo.
Algumas pessoas podem argumentar que ele está fazendo isso como uma tática de negociação de ancoragem, pressionando tudo que pode, para conseguir um pedaço de algumas coisas mais para frente. Esse pode ser o copo meio cheio, mas a sinalização está indicando muito mais o copo meio vazio. Mudanças, mesmo que pequenas nessas conquistas traria uma sinalização muito ruim para os mercados e investimentos no país, além do aumento de gastos e diminuição das receitas que essas medidas devem trazer para o governo.
Nem todas essas mudanças são simples de se alcançar, ao longos dos próximos meses vamos ver se o Lula ainda tem o poder político fora do PT que tinha antes e, se o congresso e senado, destacado durante as eleições em ser oposto ao PT, manterá essa bandeira quando as propostas forem oferecidas. A história nos mostra que nosso congresso que, na média, é composto por muitos políticos ruins, tende a ceder as ideologias, se de fato há alguma, para receber benefícios.
O cenário que Lula assume o governo agora é diferente. Lula assumiu o país com as contas organizadas do último mandato do FHC e teve uma ajuda do setor externo com uma forte demanda de commodities, que é o principal setor de exportação do país. Agora, as contas estão longe de estarem organizadas e há dúvidas, se nos primeiros anos, teremos um boom de commodities como tivemos da última vez. Agora ele assume com um superávit primário tímido e sinalizando que vai atuar da mesma forma que a última vez, em outras palavras, gastando tudo o que (não) pode.
O superávit primário de 0.8% do PIB em 2022 (ou seja, um superávit sem incluir o pagamento dos juros da dívida pública) de fato deve ser comemorado, já que não havia um superávit desde 2013. No entanto, as projeções para os próximos anos não são muito animadoras, dado que a arrecadação deve diminuir em 2023 com uma desaceleração da economia global e com uma dificuldade de acomodar a pressão por aumento das despesas públicas.
O Ministro Fernando Haddad anunciou um pacote com a intenção de segurar as contas e manter o superávit em 2023. As medidas apostam muito no aumento da receita e pouco na contenção de gastos, mas busca chegar em uma melhora de R$ 242,7 bilhões, atingindo um superávit de R$ 11,1 bilhões, ou 0,1% do PIB. Contudo, o próprio Ministro reconhece que é uma meta difícil e diz que um déficit primário entre 0,5% e 1% do PIB será o mais provável. Enquanto que outros analistas fora da fazenda avaliam que um déficit de 1,5% do PIB seria algo mais realista.
Fora todos esses problemas, o que mais se falou durante as últimas semanas foi a pressão que o governo tem feito sobre o Banco Central, tanto no questionamento da soberania quanto na mudança de metas da inflação, tais comentários só corroboram para a taxa de juros permanecer elevada, principalmente na parte mais longa da curva, porque é onde se precifica mais prêmio de risco no caso haja um aumento da meta ou fim da indepêndencia do Banco Central. Ou até mesmo indicações de diretores mais dovish, como foi o caso do ex-presidente do BC Tombini. O resultado disso já sabemos, foi desastroso durante o governo Dilma, e será de novo caso ocorra.
Para acabar essa parte, vamos falar de uma coisa muito boa e importante que está em destaque no congresso que é a reforma tributária. O Brasil detém, talvez, um dos piores regimes tributários do mundo. Não só na composição em si, mas na maneira que é cobrado (na origem) e o imposto é classificado sobre um tipo de produto, o que é muito burocrático, Marcos Lisboa deu uma aula sobre isso e outros assuntos, no podcast Market Makers, que eu recomendo muito. A solução é adotar um imposto único, que é a estratégia adotada no mundo inteiro, o IVA, não só traria algo menos burocrático, mas também muito mais neutralidade e eficiência para o país.
2. Brasil - Impactos do cenário externo
A abertura repentina da China, que estava fechada por conta da COVID, é uma notícia positiva. A China é de longe o maior parceiro comercial do Brasil, dependendo de como for essa abertura podemos sim, ver mais um boom de commodities para o terceiro mandato de Lula. Prever como será essa abertura e se haverá uma forte ou fraca recessão nos EUA e Europa (assuntos que já foram discutidos na Bottom Line #1 e #2), é a pergunta e 1 milhão de dólares para este ano.
Algumas casas já estão revisando o crescimento de 2023 da China para níveis maiores do que era esperado no ano passado por conta da abertura. O Brasil é extremamente dependente das importações Chinesas, principalmente nas commodities como podemos ver nos gráficos abaixo.
Uma maneira de observar a importância desse movimento, é olhando isoladamente para o minério de ferro. O metal detém uma das maiores concentrações de exportação do Brasil para a China, aproximadamente de 65% da nossa exportação é direcionada para os chineses. Isso faz com que ele seja uma boa proxy para prever o impacto dessas vendas para a economia brasileira através da correlação do preço do minério com o Real. Ao assumir que uma alta nos preços do minério de ferro é oriundo de um aumento da demanda sendo a China um dos principais compradores do mundo, o real se valorizaria por conta das exportações, ou seja, a taxa do USD/BRL deveria cair.
O gráfico mostra essa dinâmica, sendo que o minério de ferro está representado por um ETF (3047 é o código dele). O interessante é que nessa última valorização do minério, o USDBRL não reagiu tanto como em outros períodos, o que pode ser explicado pelo risco país do Brasil.
Outra Maneira de ver como nossa moeda poderia estar em níveis menores é pela ótica do juro real (juro nominal - inflação). O Brasil está com uma das, se não a maior, taxa de juro real do mundo. Temos que reconhecer que o nosso banco central fez um excelente trabalho antecipando a inflação global, enquanto que os principais bancos centrais acreditavam ser algo transitório.
Se não fosse um governo que gasta muito e está sinalizando que vai gastar ainda mais, jogando as expectativas de inflação futura para cima, poderíamos agora estar discutindo um corte de juros nos próximos meses.
Com esse nível alto de juros e de carrego - ou seja, o deixar o dinheiro aplicado no Brasil rende 13.75% em termos nominais, ou 8% em termos reais - apostar contra a moeda brasileira fica muito caro. Por isso, o real deveria se apreciar contra o dólar, no entanto, voltamos para o risco país que é uma variável mais relevante nessa equação.
Bottom Line: O Brasil foi o país que antecipou a alta inflacionária global que tivemos nos últimos anos, e saiu na frente de todos, elevando a taxa de juros para conter a inflação. Hoje estaríamos em um lugar privilegiado no mundo, em que, teríamos o luxo de estar cortando juros enquanto todos os outros ainda estão batalhando para conter a onda inflacionária.
Além do fato da abertura Chinesa esta jogando ao nosso favor, um assunto que não foi abordado anteriormente, apesar de ser algo mais de longo prazo, é a migração da produção de empresas americanas da China para outros países (ver mais sobre isso na Bottom Line #1). O Brasil sempre foi um país neutro nesse conflito (China x EUA), e tem um potencial para substituir parte dessas fábricas gerando emprego e investimento no país. No entanto, a teimosia do governo atual em querer derrubar vitórias institucionais e produtivas que foram geradas nos governos anteriores pode esfriar essa situação externa.